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Passado tantos anos, não imaginava chorar por coisas aparentemente esquecidas. Recentemente fui ao bairro Padre Eustáquio, que nos acolheu, quando aqui chegamos de mudança, junto a gaiolas e passarinhos.
Muitas casas no bairro ainda conservam os jardins de frente à casa, com roseiras que comungam com Manacás e pés de romã, carregados de doçura. Mas foi um muro vestido de trepadeira, carregada de miúdas flores cor de rosa, que trouxe toda a infância aos meus olhos. Foi como mexer em um quintal adormecido, que cresceu e desaprendeu a florir. Tudo veio à tona: pai, mãe, irmãos, carinho, amor sem medida. Ovo frito redondinho, regado a óleo e pimenta do reino. Galinhada de domingo, macarronada, maionese e tutu, essa mistura desordenada que se parece tanto com o amor.
Aquele muro e aquela trepadeira, eram a imagem da fachada da casa da minha infância. A vontade de voltar veio ao corpo, voltar a ser criança, voltar a ser irmã. Também voltou o desejo reprimido de uma adolescência curta, vida de adulto atropelando caminho, desejo de sentir a vida pulsando. Senti falta de pedir a benção e ouvir de resposta "Deus te abençoe", e, principalmente, sentir que aquelas palavras tinham mesmo este dom de abençoar.
Era cedo ainda, umas 10 horas da manhã, mas a cena me transportou à hora do ângelus, aquele momento em que tudo se avermelha, e a saudade não tendo onde se esconder, derrama olho e céu afora.
Os jardins de frente às casas foram substituídos pelas garagens. Varanda também não mais existe. Acolhia passantes, visitas rápidas e o bate papo dos compadres ao anoitecer. Eram visitas desprogramadas, que o máximo que exigiam da gente era um café coado na hora e dois dedos de prosa. O progresso roubou varandas e jardins de frente das casas. Mas dentro de mim, a trepadeira que velava nossa casa do resto do mundo, permanece intacta.
O carro atrás, buzina, o sinal abre e eu ali, perdida no tempo, escapulindo da certeza de que tudo aquilo ficou longe.